Lula encerra Cúpula Amazônica com apelo por maior financiamento e representatividade
Para ele, US$ 100
bi para financiamento climático são insuficientes. “Quem tem as maiores
reservas florestais e a maior biodiversidade merece maior representatividade”,
disse.
por Bárbara Luz
Publicado 09/08/2023 17:54
Encontro dos países
signatários do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) com convidados | Foto:
Ricardo Stuckert
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), encerrou a Cúpula da Amazônia nesta quarta-feira (09) com um
pronunciamento enfático, delineando a posição brasileira e de outras nações
detentoras de florestas tropicais nas condições climáticas. O líder petista fez
um chamado aos países alcançados para que adquirissem promessas de
financiamentos climáticos e adotem medidas efetivas para mitigar as mudanças
climáticas.
Lula destacou que o Brasil e outras
nações amazônicas não estão buscando financiamento simplesmente para si mesmos,
mas sim para proteger e regenerar os ecossistemas naturais que foram
prejudicados pelo desenvolvimento industrial ao longo de décadas. Ele enfatizou
que os US$ 100 bilhões anuais prometidos pelos países ricos desde 2009 para o
financiamento climático de nações em desenvolvimento “já não corresponde às
necessidades atuais. A demanda por mitigação, adaptação e perdas e danos só
cresce”, disse o presidente. “Quem tem as maiores reservas florestais e a maior
biodiversidade merece maior representatividade”, concluiu.
Lula afirmou que os serviços
ambientais e ecossistêmicos fornecidos pelas florestas tropicais devem ser
remunerados de maneira justa e equitativa. Segundo o presidente, quem tem as
maiores reservas florestais e a maior biodiversidade merece maior
representatividade no Fundo Global, e que é “inexplicável que mecanismos de
financiamento, como o Fundo Global para o Meio Ambiente, que nasceu no Banco
Mundial, reproduzam a lógica excludente das instituições de Bretton Woods”.
Leia também: Cúpula da
Amazônia: declaração de países florestais critica barreiras comerciais
Ele também criticou a falta de
representatividade de nações como Brasil, Colômbia, Equador, Congo e Indonésia
no fundo, observando que países combinou como Estados Unidos, Canadá, França,
Alemanha, Itália e Suécia ocupam assentos individuais. Essa disparidade foi
identificada por Lula como “neocolonialismo verde”, em que medidas
discriminatórias e barreiras comerciais sob o pretexto de proteção ambiental
ignoram as políticas domésticas das nações com florestas em seus territórios.
Ao final, o presidente brasileiro
convocou outros países detentores de florestas tropicais a se unirem a esse
esforço conjunto. A Declaração Conjunta adotada durante a cúpula foi apontada
como o primeiro passo para uma posição unificada na 28ª Conferência das Partes
(COP28) ainda neste ano, com vistas à COP30. Lula enfatizou a importância de
trocas de experiências entre nações da África e da Ásia, visando à proteção das
florestas e seu manejo sustentável.
Enquanto os olhos se voltam para a
COP28, espera-se que as palavras do presidente Lula e o apelo por
financiamentos planejados inspirem a cooperação internacional e ações concretas
em direção a um futuro mais sustentável e equitativo para as nações detentoras
de florestas tropicais e para o mundo como um todo.
Leia a íntegra do discurso do
presidente Lula na Cúpula da Amazônia
É uma alegria participar deste
encontro numa data de grande simbolismo, em que acolhemos convidados especiais.
Hoje comemoramos o Dia Internacional dos Povos Indígenas, estabelecido pelas
Nações Unidas em 1995.
Depois da excelente Cúpula dos Países
Amazônicos realizada ontem, agora temos o privilégio de dialogar com outros
países detentores de florestas tropicais e países e organizações parceiras.
Quero iniciar falando não de
florestas, mas apenas de uma árvore.
Uma árvore majestosa tão conhecida pelos
habitantes de Belém.
Para nós, brasileiros, essa árvore
tem o nome de sumaúma.
Ela está presente, com outros nomes,
em todos os países amazônicos e em todos os países com florestas tropicais aqui
representados.
Na Bolívia, é chamada de mapajo
[maparro]; no Equador, ceibo; na Guiana, kumaka.
Na Bacia do Congo, é conhecida
como fromager [fromagê], enquanto na Indonésia se chama kapok.
A sumaúma é um
símbolo do vínculo que nos une.
Sabemos das expectativas que recaem
sobre nós com relação ao potencial das florestas tropicais.
Mas nossas florestas não vão gerar
soluções para o enfrentamento da mudança do clima se não forem capazes de gerar
soluções para quem vive nelas.
Combater o desmatamento e fortalecer
a fiscalização e a repressão aos ilícitos ambientais são medidas fundamentais,
mas não suficientes diante dos desafios existentes.
No Brasil, os municípios onde há mais
desmatamento também são os com os piores índices de saúde, de saneamento, de
educação, de segurança alimentar e de violência.
São os que registram maiores índices
de desigualdade.
A pobreza é um obstáculo à
sustentabilidade.
Precisamos de uma visão de
desenvolvimento sustentável que coloque as pessoas no centro das políticas
públicas e inaugure um ciclo de prosperidade baseado na floresta em pé.
Esta Cúpula é o ponto de partida para
que a nossa Amazônia e as demais florestas tropicais deixem, de uma vez por
todas, de ser vistas como um problema, e se tornem solução.
São os produtos da
sociobiodiversidade que vão gerar emprego e renda e oferecer alternativas à
exploração predatória dos recursos naturais.
É conjugando atividade econômica com
preservação que vamos diminuir as pressões sobre a vegetação nativa.
É valorizando as culturas locais que
vamos promover o turismo sustentável.
É resgatando os conhecimentos e os
saberes tradicionais que vamos fomentar a pesquisa e a ciência de ponta.
E é transformando as cidades em
centros de inovação que vamos agregar valor aos produtos da floresta e
alavancar o desenvolvimento tecnológico.
Senhoras e senhores,
As evidências científicas confirmam
que o ritmo atual de emissões de gases de efeito estufa nos levará a uma crise
climática sem precedentes.
O último mês de julho foi o mais
quente já registrado na história e incêndios têm-se alastrado por vários
países.
O planeta se aproxima de vários
pontos de não retorno.
Os países das bacias da Amazônia, do
Congo e de Bornéo-Mekong atuarão com determinação para preservar as três
maiores florestas tropicais do mundo.
Mas não se pode falar de florestas
tropicais e mudança do clima sem tratar da responsabilidade histórica dos
países desenvolvidos.
Foram eles que, ao longo dos séculos,
mais dilapidaram recursos naturais e mais poluíram o planeta.
Os 10% mais ricos da população
mundial concentram mais de 75% da riqueza e emitem quase a metade de todo o
carbono lançado na atmosfera.
Não haverá sustentabilidade sem
justiça.
Tampouco haverá sustentabilidade sem
paz.
Os gastos militares, que atingiram o
recorde de 2,2 trilhões de dólares no ano passado, drenam recursos de que o
mundo precisa para a promoção do desenvolvimento sustentável.
Diante dessas disparidades, é
fundamental não perder de vista o princípio das responsabilidades comuns, porém
diferenciadas.
Ele continua mais válido do que
nunca, porque reflete equidade, justiça, ação e ambição.
As obrigações de apoio financeiro, de
cooperação técnico-científica, de transferência tecnológica, que estão
consagradas nas Convenções do Rio de 1992, não estão sendo cumpridas.
Desde a COP 15, o compromisso dos
países desenvolvidos de mobilizar 100 bilhões de dólares por ano em
financiamento climático novo e adicional nunca foi implementado.
E esse montante já não corresponde às
necessidades atuais. A demanda por mitigação, adaptação e perdas e danos só
cresce.
Quem tem as maiores reservas
florestais e a maior biodiversidade merece maior representatividade.
É inexplicável que mecanismos de
financiamento, como o Fundo Global para o Meio Ambiente, que nasceu no Banco
Mundial, reproduzam a lógica excludente das instituições de Bretton Woods.
Brasil, Colômbia e Equador são
obrigados a dividir uma cadeira do conselho do Fundo.
A República do Congo e a República
Democrática do Congo são obrigadas a dividir uma cadeira com mais seis países.
A Indonésia é obrigada a dividir uma
cadeira com mais dezesseis países.
Enquanto isso, países desenvolvidos,
como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Itália e Suécia, ocupam cada um
seu próprio assento.
Sanar a falta de representatividade é
elemento essencial de uma proposta abrangente e profunda de reforma da
governança global que beneficie todos os países em desenvolvimento.
Os serviços ambientais e
ecossistêmicos que as florestas tropicais fornecem para o mundo devem ser
remunerados, de forma justa e equitativa.
A nossa perspectiva precisa ser
levada em conta na negociação de um conceito internacional de sociobioeconomia
que nos permita certificar produtos e gerar oportunidades para nossa população.
Os países detentores de florestas
tropicais herdaram do passado colonial um modelo econômico predatório.
Um modelo baseado na exploração
irracional dos recursos naturais, na escravidão e na exclusão sistemática das
populações locais.
Os efeitos são sentidos por nossos
países até hoje.
Não podemos aceitar um
neocolonialismo verde que, sob o pretexto de proteger o meio ambiente, impõe
barreiras comerciais e medidas discriminatórias e desconsidera nossos marcos
normativos e políticas domésticas.
O que precisamos para dar um salto de
qualidade é de financiamento de longo prazo e sem condicionalidades para
projetos de infraestrutura e industrialização verdes.
Reformar o sistema também requer uma
solução duradoura para o endividamento externo que aflige tantos países em
desenvolvimento.
Na presidência brasileira do G20, que
terá início dia primeiro de dezembro, colocaremos o desenvolvimento sustentável
e a redução das desigualdades no centro da agenda internacional.
Temos apenas 7 anos para alcançar os
Objetivos da Agenda 2030.
É hora de nossos países se unirem. É
hora de acordar para a urgência do problema da mudança do clima.
Se não agirmos agora, não vamos
atingir a meta de evitar que a temperatura suba mais que um grau e meio em
relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial.
A COP30, que também vai acontecer
aqui em Belém, em 2025, será um marco tão importante como foi a COP21, em 2015,
quando foi adotado o Acordo de Paris.
Todos os países vão apresentar sua
segunda rodada de compromissos de redução de emissões. Talvez seja a nossa
última chance de garantir um clima estável para o planeta Terra.
O Brasil vai liderar pelo exemplo,
convidando a todos para irmos, juntos, de Belém a Belém.
Quero convidar especialmente outros
países com florestas tropicais para se somem a esse esforço.
A Declaração Conjunta que adotaremos
hoje será o primeiro passo para uma posição comum já na COP28, este ano, com
vistas à COP30.
Junto com nossos companheiros da
África e da Ásia, podemos aprofundar as trocas de experiências sobre a proteção
das florestas e seu manejo sustentável.
Também podemos liderar a promoção de
cadeias de produtos florestais livres de desmatamento e fortalecer ações
globais em prol do Marco Global para a Biodiversidade.
Companheiras e companheiros,
Quero terminar trazendo as palavras
de um grande pensador indígena da Amazônia, o xamã Davi Kopenawa, um dos
líderes do povo ianomâmi.
Ele escreveu um livro belíssimo
chamado A queda do céu, e uma das coisas que ele diz é o seguinte: “Os
brancos não sonham tão longe quanto nós. Dormem muito, mas só sonham com eles
mesmos”.
Em meu pronunciamento de ontem, falei
que em Belém nasceria um sonho amazônico.
Estou certo de que, após este
encontro, cada um aqui seja capaz de sonhar longe.
Muito obrigado.
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