Resoluções de Temer: lotear Fernando de Noronha
O "MP da grilagem" permite, na prática, a privatização em massa de bens públicos
Divulgação
Para os moradores de Peruíbe, no litoral de São Paulo, as festas de fim de ano chegaram mais cedo. No último dia 19, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) negou licenciamento ambiental para a Gastrading Comercializadora de Energias S.A. A ideia era construir uma mega usina termoelétrica praticamente dentro da terra indígena Piaçaguera e ao lado da estação ecológica Jureia-Itatins. Sem contar o porto off shore, a 10 quilômetros praia adentro, que alteraria o ecossistema marinho.
Foi a terceira grande vitória da população, acostumada a lutar contra ataques. Na década de 1980, lutaram contra projeto de construção de usina nuclear na região. Além da derrota da ideia, conquistaram legislação específica, que criou a estação ecológica Juréia-Itatins. Em 2013, botaram para correr o projeto do então bilionário Eike Batista de construir ali um grande porto. "Nosso grande trabalho agora será mostrar para as pessoas que, embora não tenhamos dinheiro como o poder econômico, somos fortes porque somos muitos", disse o presidente da ONG Mongue Proteção ao Sistema Costeiro, Plínio Melo.
Outra grande vitória da pressão popular foi o arrego de Michel Temer (PMDB), que em 25 de setembro assinou decreto revogando seu próprio decreto em que extinguia a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), no interior da floresta amazônica, em área protegida.
A extinção da Renca pegou mal porque a Amazônia é um santuário defendido até por celebridades pouco engajadas politicamente, como a modelo brasileira Gisele Bündchen. Houve manifestações contrárias em todo o mundo. A organização WWF-Brasil havia publicado em julho um relatório abordando a situação legal dos direitos minerários da Renca, ressaltando a possibilidade de conflito entre os interesses do setor mineral e a conservação das áreas protegidas.
No entanto, a mobilização não foi suficiente para impedir, em 11 de julho, a aprovação da Lei 13.745, originária da Medida Provisória 759. Mais conhecida como "MP da grilagem", o projeto que havia sido enviado ao Congresso no dia 22 de dezembro de 2016 trata aspectos do licenciamento ambiental com base no antigo Código Florestal, já revogado, e permite, na prática, a privatização em massa de bens públicos, o aumento da concentração fundiária e dos conflitos no campo e na cidade, além da concessão de anistia a grileiros e desmatadores. Sem contar a redução da regularização à simples titulação, desobrigando infraestruturas básicas, quando o conceito anterior previa uma série de medidas associadas a condições dignas de moradia e acesso à infraestrutura adequada. Exemplo prático do que passa a ser permitido é o loteamento, com condomínios fechados, no arquipélago de Fernando de Noronha.
Os riscos de ampla privatização das terras públicas, florestas, águas e ilhas federais na Amazônia e em toda a zona costeira brasileira, aliás, levaram o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a ingressar com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.771, no último dia 31 de agosto. A ação contempla o questionamento de 61 entidades de diversas áreas, que protocolaram na PGR pedido de inconstitucionalidade.
Falando em terras, em 2017 houve retorno do aumento do desmatamento. Até houve redução na Amazônia, na ordem de 16% entre agosto de 2016 e julho de 2017. Mesmo assim, a área desmatada é grande: do tamanho de duas cidades como São Paulo. Em compensação, aumentou o desmatamento em unidades de conservação em todo o país em 22%.
Massacre
Os ataques ao meio ambiente atingiu também aqueles brasileiros que só sabem viver em harmonia com a natureza. Em meio aos conflitos ao longo do ano, chamou atenção do Ministério Público Federal (MPF) massacres de índios Warikama Djapar, mais conhecidos como "flecheiros", isolados na Terra Indígena Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas. Segundo a ONG inglesa Survival International, que atua na região, um massacre em maio, por garimpeiros, matou mais de dez indígenas.
Outro, em agosto, segundo jornais da região, teria sido cometido por um produtor agrícola da região. O MPF não divulgou o número de vítimas. Mas a ONG estima que sejam pelo menos 10, inclusive crianças. Este seria um dos maiores massacres de indígenas não contatados desde o assassinato de 16 índios Yanomami em Roraima, em 1993. Os ataques, segundo lideranças indígenas, só aconteceram por causa do abandono e sucateamento das bases de vigilância da Funai pelo governo de Michel Temer.
No dia 30 de abril, no povoado de Bahias, no município de Viana, no Maranhão, indígenas do grupo Gamela foram atacados quando estavam de saída de uma área tradicional retomada, por dezenas de homens armados de facões, paus e armas de fogo. Segundo informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Aldeli Ribeiro Gamela foi atingido por um tiro na costela e um na coluna, teve mãos decepadas e joelhos cortados. Seu irmão, José Ribeiro Gamela, levou um tiro no peito. Um terceiro atingido foi o indígena e integrante da CPT no Maranhão Inaldo Gamela, com tiros na cabeça, no rosto e no ombro.
No dia 2 de novembro, a indígena Ivete de Souza, 59 anos, teve a mão esquerda decepada a golpes de facão, desferidos por dois adolescentes durante um ataque à aldeia guarani de Morro dos Cavalos, a 30 km de Florianópolis, onde vivem cerca de 300 guaranis. Ela sobreviveu porque os agressores acreditaram que ela sangraria até morrer. Além de perder a mão esquerda, levou vários golpes pelo corpo.
Lama e veneno
No final de outubro, o Ibama publicou relatório em que 20 dos 109 afluentes do Rio Doce ainda recebiam lama e rejeitos minerais vindos do rompimento da barragem de Fundão. Operada pela Samarco, a barragem rompeu em 5 de novembro de 2015, matando 19 pessoas e contaminando rios de Minas Gerais e Espírito Santo, onde chegou ao mar. O maior desastre ambiental da história do país deu novo golpe em 2017: no início de agosto, o processo criminal foi suspenso pela Justiça Federal após pedido da defesa de ex-diretor da empresa. A alegação: provas ilícitas.
Para completar, em 8 de novembro a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o agrotóxico benzoato de emamectina. A decisão foi considerada mais uma das doses "homeopáticas" com que o governo de Michel Temer vem introduzindo o chamado "Pacote do Veneno". De interesse direto de seu ministro da Agricultura, Blairo Maggi, o pacote pretende facilitar o registro e incentivar o aumento do uso de agrotóxicos no Brasil – país que mais consome esses venenos em todo o mundo.
Para os analistas do setor, houve grande pressão sobre a Anvisa para liberar esse agrotóxico, que a própria agência havia recusado registro em 2010, por considerá-lo tóxico em relação a outros disponíveis. O "aval" da liberação foi dado por uma consulta pública mal divulgada e que ficou aberta por apenas 20 dias e contou com oito questionamentos, a maioria por pessoas ligadas às empresas interessadas.
Fonte: Portal Vermelho A Esquerda Bem Informada
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