Por Márcia Branco, arquiteta
A crise ambiental da nossa cidade está definitivamente instalada e perfeitamente visível. Haja vista as diferenciadas decisões tomadas pela prefeitura em relação ao destino de nossas áreas verdes, propiciada, em primeira instância, pela ausência de uma política ambiental estruturada.
Podemos falar hoje de três situações semelhantes, com (quase) três soluções distintas sob uma mesma realidade legislativa: A Mata do Engenho Uchoa, a “Tamarineira” a “área da bacardi”.
A primeira, fruto de uma luta cotidiana, insistente, resistente ao longo de 30 anos vê aos poucos essa reserva, na realidade a APA Rousinete Falcão, ser ameaçada pela construção de uma unidade de beneficiamento de lixo, vinculada a uma usina de cogeração de energia (Incineração), por um consórcio privado (Recife-Energia). Curioso é que essa área foi disponibilizada para desapropriação, por decreto, assinado pelo então prefeito João Paulo, com prazo de 5 anos para acontecer. Vencido o prazo, nada aconteceu e a área continuou em “mãos privadas”. O parque natural a ser construído há tanto sonhado, não pode ser viabilizado. (Não havia interesse?). Agora, vem sendo prometida pelo município, desde que instalada a unidade de beneficiamento, como única forma de viabilizá-lo (?). Aparentemente as decisões já foram tomadas, resta saber o que vai acontecer na audiência Pública programada para a primeira semana de julho (?)
A Tamarineira me surpreende pela capacidade de articulação da chamada “classe média”, que se mobiliza, só e somente só, pela possibilidade de defender interesses pessoais, de uma classe, que não se emociona com as perdas acontecidas ao longo dos anos, e viabilizada pela construção sempre frenética de condomínios residenciais ( Não desmerecendo a Lei dos Doze bairros). Condomínios que se utilizam do verde para vender, mas que, contraditoriamente, se desfaz dele a “olhos vistos”... Por que “os amigos da Tamarineira” não se mobilizam por outras áreas verdes da Cidade, tão importantes quanto?
Aqui a prefeitura, depois de ouvidas “todas as partes”, ràpidamente se posicionou contra a construção do shopping. Como? se o mesmo colocou- se enquanto parceria importante para a viabilização de mais um parque na cidade, e com direito a 3 museus. Tudo “bancado pela iniciativa privada. É ruim ter alguém para financiar obras públicas? As parcerias privadas não seriam a “bola da vez”? Ainda... com que recursos a prefeitura vai bancar esse parque, se reconhecemos algumas áreas verdes importantes na cidade e em completo (ou quase) abandono:o Parque de Santana, o Parque do Caiara, o Sítio da Trindade... Isso sem falar de outras áreas verdes, matas urbanas que se encontram entregues ao desamparo e a solidão de uma legislação que não protege, de uma gestão que não toma atitudes e de uma população que não se emociona...
Por último, a “bacardi”, que teve sua apresentação surpreendente aos cidadãos do Recife, em matéria inteira de Jornal , com direito a fotos e promessas de agilidade nas licenças. João Carlos Paes Mendonça (o empreendedor) e João da Costa ( o prefeito do Recife) aparecem de mãos dadas numa certeza eminente de que os acordos estava “selados” e que a área verde da “bacardi”, inserida na Bacia do Pina , iria abrigar o “ maior shopping do Norte-Nordeste” (?!?!). Isso sem um movimento que, emocionado, denuncie a perda de mais uma área verde na cidade.
Restam muitas perguntas:
Por que a prefeitura não viabilizou o Parque Natural da Mata do Engenho Uchoa reivindicada por tantos anos pela população da zona oeste da cidade? Por que essa falta de interesse e até de respeito a esses defensores, moradores de áreas “menos nobres” no município? Por que instalar uma Unidade de beneficiamento de lixo dentro da Área de Preservação Permanente? Não serão usos incompatíveis? Porque não se buscaram os recursos necessários à construção do mesmo? Por que nesse caso reconhecem como única possibilidade de financiamento os recursos advindos de um empreendimento privado?
Em relação à Tamarineira, uma área privada. No que o projeto da Realisis não atendia às exigências da Lei que prevê os IPAVs? Não se permitiu nem que se apresentasse o projeto. Para uma decisão, ouvidas as partes, o município, aparentemente não considerou o problema da mobilidade ou dos residentes no hospital, já que será transformado em Parque. Com que recursos? (se não existem para a Mata do Engenho Uchoa). E a empresa também não propunha financiar um Parque? Um parque numa área em que 70% do verde deve ser preservado? Onde se permite construção e onde elas já existem?Onde o município deveria exercer seu papel de gestor fiscalizando e condicionando o projeto ao atendimento da Lei?
A Bacardi... inserida numa área verde de beleza incontestável, nenhuma reação a favor, ou contra. Acordo selado, sem considerar ao mínimo a mobilidade da área. Ou melhor, com a mobilidade sendo viabilizada através de projetos públicos(?).
Para os amigos, tudo, para os outros, a Lei.
Configura-se dessa forma a construção de uma cidade que, a mercê, de interesses diversos, vai tomando uma aparência bizarra e comprometendo de forma definitiva os desejos e a qualidade de vida de seus habitantes.
NOTA EM SOLIDARIEDADE À VEREADORA DETE SILVA
Há 6 meses
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