Brasil levará à COP26 dados distorcidos de emissões de gases de efeito estufa
Na prática, o governo praticou uma pedalada climática, alterando o resultado percentual e jogando debaixo do tapete 400 milhões de toneladas.
Estamos a menos de um mês da Cúpula do Clima, a COP26 que ocorrerá em Glasgow, na Escócia. O governo do Brasil, que já foi líder climático, está provocando sua própria estigmatização. Prestes a dar mais um vexame diante da comunidade internacional, desembarcará em Glasgow levando a tiracolo uma meta surreal, fruto de uma pedalada climática.
O governo do Brasil, durante a administração ambiental de Ricardo Salles, modificou em 2020 sua proposta para a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDCs) de gases efeito estufa (GEE), tomando por base um novo referencial. Usou como base o Segundo Inventário Nacional de 2005, ignorando as atualizações mais precisas contidas no Terceiro Inventário Nacional de emissões de 2020.
Ao partir de um valor completamente desatualizado das emissões nacionais, de 2,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO²), negou o real valor de 2,8 bilhões, obtido por meio de avanços na capacidade de avaliação das emissões.
Assim, o compromisso e os valores firmados junto à comunidade internacional de reduzir 37% das emissões até 2025 e 43% até 2030 foram distorcidos. Na prática, o governo praticou uma pedalada climática, alterando o resultado percentual e jogando debaixo do tapete 400 milhões de toneladas de CO², segundo cálculo de várias instituições científicas respeitadas, como a UFMG.
A NDC “fake” tira completamente a credibilidade da proposta brasileira. Isso se dá em um momento em que os países estão revendo suas metas de forma a aprimorá-las, a torná-las mais ambiciosas e realistas, frente à constatação de uma piora significativa nos avanços do aquecimento global.
As metas anteriores, com as quais o Brasil se comprometeu na assinatura do Acordo de Paris em 2016, foram encaminhadas com um plano de ação para seu atingimento, enquanto a atual proposta apresenta-se absolutamente esvaziada de qualquer planejamento. Em outras palavras, além da flexibilização nas metas, o governo brasileiro não demonstra qualquer intenção de intervir na realidade. Sua postura esvaziada e descompromissada sinaliza, interna e externamente, apenas imobilismo.
Na prática, o governo praticou uma pedalada climática, alterando o resultado percentual e jogando debaixo do tapete 400 milhões de toneladas de CO2, segundo cálculo de várias instituições científicas.
Levantamento realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) concluiu que a pedalada climática idealizada por Ricardo Salles em 2020 permitirá ao Brasil chegar em 2025 emitindo 1,7 bilhão de toneladas de GEE, o que equivale a um desmatamento de 13,4 mil km² por ano.
Segundo Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Serviços Ambientais da UFMG, “os 13,4 mil km² que o estudo projeta para 2025 são 78% maiores que os 7,4 mil km² que tínhamos em 2018, antes do início do governo Bolsonaro”. O absurdo da devastação é ratificado por resolução do Conselho Nacional da Amazônia, assinada em junho de 2021 pelo general Hamilton Mourão, onde o Brasil se compromete a “reduzir” o desmatamento para 8.700 km² até o final do ano de 2022.
O Brasil reconhecidamente possui fragilidades formidáveis, proporcionais à sua riqueza ambiental, o que inclui 20% da biodiversidade planetária, além de extrema vulnerabilidade devido aos contrastes sociais.
O atual governo brasileiro, ao atuar de forma irresponsável, está abalando o futuro do país. Em primeiro lugar porque ignora o avanço civilizatório, já que o eixo da paz, perseguido em ações multilaterais desde a criação das Nações Unidas, em meados do século XX, é acrescido agora da emergência climática, que fará da prática do multilateralismo uma obrigação comum e solidária.
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Um governo com postura negacionista perde protagonismo e o barco da história, o que inclui geração de empregos e renda com tecnologias limpas, futuro inexorável da humanidade. Para desespero das atuais e futuras gerações, nos primórdios de uma nova revolução industrial nos vemos dirigidos por um governo que parece haver saído do best-seller República das Bananas.
A COP26 refaz e avança no marco regulatório do Acordo de Paris. Vivenciamos a fase pós-Trump que aponta maiores exigências para a boa convivência internacional. Os países que ainda não se movem proativamente, diante dos sinais do intenso multilateralismo que se avizinha, perderão mercado internacional e investimentos. Estrutura-se cada vez mais normativas onde países poluentes em carbono terão suas commodities penalizadas ou rechaçadas no mercado internacional.
O Brasil deve resgatar sua imagem junto à comunidade internacional e preparar-se para o novo normal climático. Nada será como antes, pois as obrigatórias inovações estarão presentes em todos os setoriais, em novas exigências que se configuram como éticas, solidárias e inadiáveis.
O governo de Jair Bolsonaro não tem perfil progressista, portanto não sobreviverá às mudanças estruturais que estão por vir. Diante dos avanços sinalizados pela Comunidade Europeia e Reino Unido, o Brasil não poderá continuar defasado em aspectos humanitários, com um sistema ambiental inoperante, sem participação ou controle social — e capturado pelo agronegócio menos esclarecido.
Por mais retrógradas que sejam as influências que estão na base do governo, é preciso avaliar quais serão as consequências que a posição brasileira, na COP26, trará para o futuro da Nação. É preciso avaliar as consequências agora, para que no futuro não se penalize ainda mais a população.
Sobretudo, é preocupante, no cenário de emergência climática, o que poderá ocorrer com o futuro dos mais vulneráveis, cada vez mais abandonados à própria sorte, diante um governo disfuncional e desajustado frente ao seu tempo, aos avanços civilizatórios e à comunidade de nações.
*O autor ´´e presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)
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