Continuidade é desafio de grupos
Publicação: 08/04/2017 03:00
Permanecer com motivação é o grande desafio das organizações de moradores. É comum ao histórico dos grupos pausas de anos nas atividades ou até o fechamento. As dificuldades concentram-se em manter os vizinhos unidos em torno de um projeto de bairro e não de ações pontuais, que dizem respeito a direitos individuais. Integrante do Movimento em Defesa da Mata do Engenho Uchôa há 35 anos, a professora Luci Machado, 76, sabe o quão custoso é levar adiante os sonhos de um bairro melhor. A constante depredação da área de Mata Atlântica praticamente no quintal de casa foi o mote para o início do combate.
Junto com moradores como Ximena Nune e Andréa Sacramento, Luci lutou contra a construção de um condomínio de luxo, um habitacional popular e uma usina de tratamento de resíduos.
Muitos companheiros pularam do barco. Cinco moradores mantêm a agenda semanal. Eles se encontram na casa de Luci. Às conquistas, estão somadas a transformação da área em Refúgio de Vida Silvestre, a incorporação do meio ambiente nas ações escolares, a construção de um plano de manejo e a instituição de um conselho. “É uma luta que já está no sangue da gente”, explica Luci Machado. O sonho maior é a construção de um Parque Ecológico. O Movimento da Mata Uchôa é a prova de que as lutas se renovam e são contínuas.
Junto com moradores como Ximena Nune e Andréa Sacramento, Luci lutou contra a construção de um condomínio de luxo, um habitacional popular e uma usina de tratamento de resíduos.
Muitos companheiros pularam do barco. Cinco moradores mantêm a agenda semanal. Eles se encontram na casa de Luci. Às conquistas, estão somadas a transformação da área em Refúgio de Vida Silvestre, a incorporação do meio ambiente nas ações escolares, a construção de um plano de manejo e a instituição de um conselho. “É uma luta que já está no sangue da gente”, explica Luci Machado. O sonho maior é a construção de um Parque Ecológico. O Movimento da Mata Uchôa é a prova de que as lutas se renovam e são contínuas.
O recifense unido por uma cidade melhorRecife 500 anos nascerá da participação social. A mudança vem da união e recifenses começam a se juntar novamente em associações de bairro para lutar por outro conceito de cidade.
Por: Alice de Souza - Diario de Pernambuco
Publicado em: 09/04/2017 15:00 Atualizado em: 09/04/2017 15:28
Jorge Bandeira de Mello, integrante da Associacao dos Moradores e Amigos do Poço da Panela (AMAPP), usa aplicativo de celular para conversar sobre problemas do bairro com vizinhos. Crédito: Ricardo Fernandes/DP |
A história do movimento de bairro do Recife data de 1931, a partir do registro da Liga dos Proprietários da Vila de São Miguel, explica a mestre em serviço social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Juliene Albuquerque no artigo A luta dos movimentos sociais urbanos no Recife: criação e manutenção do PREZEIS. À época, a batalha era por terra e qualidade de vida. “Elas surgiram da resistência e da necessidade de organização”, explica a coordenadora do programa de Direito à Cidade da ONG Etapas, Isabela Valença.
A dinâmica de comunhão em prol dos bairros desceu o morro na última década para se disseminar também em regiões de classe média e alta. “É um movimento observado em vários lugares do mundo. As pessoas se deram conta de que a metrópole está inviabilizando a vida social”, opina a pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Lívia Miranda.
A bibliotecária Lúcia Moura participa ativamente das redes da Associação Por Amor às Graças. Crédito: Shilton Araujo/Esp.DP |
As Graças, na Zona Norte, é exemplo. Na década de 1990, o bairro possuía a Associação Viva as Graças, articulada em torno da problemática dos bares. Em 2004, com a chegada de empreendimentos e da descaracterização de imóveis históricos, surgiu uma nova organização. A Associação Por Amor às Graças lutou para o engavetamento do projeto de construção de um corredor viário às margens do Rio Capibaribe. “Quando você está em grupo, a força é outra. A partir do momento que você participa, pode cobrar ao poder público”, diz a bibliotecária Lúcia Moura, 69 anos.
Em geral, a união de vizinhos ocorre de forma reativa. “Aconteceu também, na década de 1980, quando Casa Forte se mobilizou contra a construção dos primeiros prédios”, lembra o pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Jan Bitou. O envolvimento de moradores também pode ocorrer por meio de ações propositivas, pautadas na qualidade do espaço público. É comum aos novos movimentos serem heterogêneos em formação e estrato social. E buscarem distância da política.
A Associação de Moradores e Amigos do Poço da Panela (Amapp) encontra-se todo mês. A média de comparecimento é de 20 pessoas. As pautas atuais são a melhoria da segurança, da iluminação e da arborização. “Cada um traz seus problemas e as informações”, conta o presidente da Amapp, Antônio Pinheiro, 33.
Troca de projeto de construção de um corredor viário por parque, às margens do Capibaribe, foi uma das conquistas da Por Amor às Graças. É um exemplo prático do impacto da união dos moradores na cidade. Crédito: Nando Chiappetta/DP |
Em 2037, o Recife completará 500 anos e o projeto de futuro da cidade mira na participação. “O futuro é colaborativo, com efetividade democrática praticada nas ruas. Isso vai estar presente na proposta estratégica. A tendência é diminuir a distância entre os debates e os gestores. Essa vontade de participar e ter a participação reconhecida é um caminho sem volta”, conclui o diretor executivo da Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES), Guilherme Cavalcanti.
Foodtruck Malabar foi ponto de partida de criação do movimento Setubalize, na área de Setúbal, na Zona Sul. Crédito: Paulo Paiva/DP |
Combatendo os "apartamentos"Do balcão do foodtruck Malabar, o empreendedor Daniel Uchôa, 34, aproveitou para observar a vizinhança. Pessoas com pouco interesse em dialogar, moradores de portas opostas que mal se conheciam. A situação provocou Daniel a criar o movimento Setubalize, de engajamento de moradores na região de Setúbal, Zona Sul do Recife. Juntos, eles lutam pela melhoria de uma local que pretendem emancipar em um bairro e, entre reuniões, conectam laços.
“Temos um bairro superpopuloso e pessoas apartadas. O nome apartamento é muito a propósito. É uma multidão desconectada. A ideia do movimento é criar alternativas de vivência e transformar a rua numa zona de interação”, detalha Daniel. As atividades do Setubalize vão desde movimento literário a realização de cafés da manhã colaborativos. A cobrança ao poder público também acontece e, por causa disso, o bairro ganhou uma passarela conectando os dois lados da Avenida Visconde de Jequitinhonha.
A inquietação de Daniel tem razão de ser. A sociabilidade entre vizinhos, esclarece o professor Jan Bitou, é importante como aprendizado do diálogo, da troca, do bem querer ao outro e expressão de demandas relacionadas ao cotidiano no local de moradia. Descobrir quais os fatores influentes na relação cotidiana entre vizinhos, amigos e desconhecidos que compartilham um mesmo ambiente é um dos objetivos da pesquisa de mestranda em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marta Roca.
A principal hipótese do estudo levanta que os padrões de sociabilidade urbana são influenciados pela tipologia das moradias, a configuração do ambiente construído, as raízes sociais e culturais e pela diversidade de uso da cidade. Compõem o estudo os bairros de Boa Viagem, Vila Tamandaré, Setúbal e Graças. “Criamos um questionário para levantar os aspectos de sociabilidade dos moradores. Numa segunda etapa, irei detalhar todas as quadras das pessoas entrevistadas”, explica Marta Roca.
Ana Carolina Lins e Maria Carolina Arruda, estudantes de arquitetura, criaram o projeto Se Essa Rua Fosse Minha. Com muita cor e atividades culturais, elas pretendem reduzir os índices de assalto e também aumentar a sociabilidade entre os vizinhos da Rua Abelardo, nas Graças.Crédito: Mandy Oliver/Esp.DP |
Promover o encontro de vizinhos é também uma forma de combater a crescente violência, é o que defendem as estudantes de arquitetura Maria Carolina Arruda e Ana Carolina Lins, criadoras do projeto Se Essa Rua Fosse Minha. “A nossa intenção é afastar a sensação de segurança, através da transformação do espaço público. Acreditamos que apitos, câmeras, são a artificalização das pessoas”, detalha Maria Carolina. As ações acontecem na Rua Aberlado, nas Graças, e convergem jardinagem, grafitagem, circo e dança.
União de moradores transformou o Morro da Conceição de lugar sem água e pavimentação em comunidade referência do Recife. Crédito: Paulo Paiva/ DP |
A lógica do "um por todos e todos por um"
Metade da população do Recife vivia em condição de favela na década de 1960. A urbanização caótica e desordenada da cidade, que espremeu a população de baixa renda para os morros, forjou o surgimento de associações ou grupos organizados de moradores. A mobilização popular nasceu dos problemas sociais de uma cidade na qual menos da metade dos moradores dispunha de água potável e, ao longo das décadas subsequentes, foi determinantes para a transformação cultural, política e social de diversas comunidades.
Pernambuco chegou a ter uma Federação dos Bairros (FABEP). E mesmo diante da perseguição, pós-golpe militar, manteve as articulações, recebendo inclusive apoio católico, através de Dom Hélder. O Movimento de Evangelização Encontro de Irmãos foi fundamental para a formação cidadã e a consciência social no Morro da Conceição. Reunidos em torno da bíblia, os vizinhos partilhavam a fé e também compreendiam-se enquanto detentores de direitos.
“Fazia o pobre acreditar no pobre. Fomos descobrindo direitos e deveres. O que tinha em Boa Viagem: água encanada, calçamento…”, lembra a funcionária pública aposentada Severina Santana, 81. O movimento foi a base para o Conselho de Moradores do Morro. “Aqui era uma mata, passou a ser essa cidade. Foi uma revolução pela força do povo. Era uma política social, um por todos e todos por um”, acrescenta dona Sevi.
Ao mesmo tempo da disseminação dos movimentos, o poder público começou a tentar cooptar as lideranças. “Essa politização se dá porque esses bairros precisam reinvindicar melhores condições de habitabilidade. Os grupos de classe média já partem de uma condição maior e se colocam independentes porque também têm relações mais próximas com o poder público de qualquer partido”, esclarece a pesquisadora Lívia Miranda.
Pernambuco chegou a ter uma Federação dos Bairros (FABEP). E mesmo diante da perseguição, pós-golpe militar, manteve as articulações, recebendo inclusive apoio católico, através de Dom Hélder. O Movimento de Evangelização Encontro de Irmãos foi fundamental para a formação cidadã e a consciência social no Morro da Conceição. Reunidos em torno da bíblia, os vizinhos partilhavam a fé e também compreendiam-se enquanto detentores de direitos.
“Fazia o pobre acreditar no pobre. Fomos descobrindo direitos e deveres. O que tinha em Boa Viagem: água encanada, calçamento…”, lembra a funcionária pública aposentada Severina Santana, 81. O movimento foi a base para o Conselho de Moradores do Morro. “Aqui era uma mata, passou a ser essa cidade. Foi uma revolução pela força do povo. Era uma política social, um por todos e todos por um”, acrescenta dona Sevi.
Ao mesmo tempo da disseminação dos movimentos, o poder público começou a tentar cooptar as lideranças. “Essa politização se dá porque esses bairros precisam reinvindicar melhores condições de habitabilidade. Os grupos de classe média já partem de uma condição maior e se colocam independentes porque também têm relações mais próximas com o poder público de qualquer partido”, esclarece a pesquisadora Lívia Miranda.
Federação das Entidades Comunitárias do Ibura e Jordão luta para melhorar os bairros e congrega 56 grupos. Crédito: Rafael Martins/DP |
Para dona Sevi, que hoje só acompanha de longe o trabalho do Conselho do Morro, a associação com a política desvirtuou os movimentos. “É preciso ouvir o povo, ele precisa participar das decisões”, conta. A aproximação partidária também incomoda a presidente da Federação das Entidades Comunitárias do Ibura e Jordão, Severina Veiga, 65.“Hoje, a gente vê que muitas lideranças não tem preocupação de organização, pois sabem que indo falar com determinado secretário conseguem as coisas. Nós praticamos a política partidária, mas não somos comprados”, diz.
A Federação surgiu em 1990 e hoje congrega 56 grupos. A demanda atual é por melhorias na mobilidade dos bairros e para acabar com os alagamentos históricos da Avenida Dois Rios.
Beco onde Dilce Miranda mora ganhou novo nome e agora se chama Vila Sá e Souza, depois de ação de pavimentação encabeçada pelo movimento Setubalize. Crédito: Shilton Araujo/Esp.DP |
Em busca de uma cidade educadora
Não adianta abrir somente as portas da casa e acessar o vizinho da frente. É preciso também romper as fronteiras sociais para alcançar a verdadeira cidadania. Entender as demandas de infraestrutura dos bairros da classe baixa, que no Recife correspondem a 35% da área total construída, e englobar a diversidade econômica e social do próprio território de vivência. É preciso pensar além do próprio perímetro urbano para conquistar uma cidade justa.
O diálogo entre distintos atores sociais é o caminho para a construção de uma cidade educadora, termo nascido em 1990 para denominar espaços urbanos onde há o exercício da cidadania plena e ativa. Em artigo, o doutorando da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) David Melo Van Den Brule explica que uma cidade educadora, é aquela que persegue a utopia das cidades justas. Ou seja, onde há a ruptura com as formas elitistas de governar a partir da democratização da participação social.
Para isso, é preciso incentivar canais permanentes de organização e frutificar o protagonismo de todos, das crianças aos idosos. “A cidade, a princípio, é o lugar onde você se encontra com pessoas diferentes. É preciso enxergar, como fala o pesquisador da Universidade de São Paulo, Moacir Gadotti, a cidade como uma escola. É uma perspectiva utópica, mas utopia é importante para avançar”, opina o pesquisador Jan Bitou.
A busca por essa cidade também requer rupturas com o medo de conviver com as diferenças. “As pessoas se sentem inseguras em relação ao outro. É lógico que as desigualdades geram violência na cidade, mas isso é como uma bola de neve. Quanto mais você se isola, maior a força contrária com que isso vai voltar”, aponta a pesquisadora Lívia Miranda.
Espremida entre os espigões e pontos comerciais de Setúbal, a viela onde a consultora Dilce Miranda, 51, vive há 25 anos era um universo à parte do bairro. Os integrantes do movimento Setubalize decidiram promover a inclusão dos moradores do então chamado de beco. Construíram um piso de concreto e rebatizaram o espaço. “Agora eu vivo na Vila Sá e Souza. Muda tudo, é outro nível”, brinca Dilce.
O exercício pleno da cidadania não consiste também em reproduzir padrões observados em viagens ao exterior nas próprias cercanias de casa. Buscar a cidade educadora é uma forma de lutar contra o estrangulamento das grandes metrópoles diantes das mazelas como ausência da emprego e de saneamento e evitar o que o se denomina como espaços de extermínio, sobretudo de jovens negros. Em todo o mundo, 450 cidades são signatárias da Carta de Princípios da Associação Internacional de Cidades Educadoras, apenas 15 delas no Brasil. Uma no Nordeste. Jequié, na Bahia.
Luci Machado é uma das integrantes do Movimento em Defesa da Mata do Engenho Uchôa, que existe há três décadas. Crédito: Ricardo Fernandes/DP |
Manter o fôlego na briga por direitos é desafio
Permanecer com a chama da motivação acesa depois de concluída a demanda de base é o grande desafio das organizações de moradores. É comum ao histórico dos grupos pausas de anos nas atividades ou até o fechamento. Nas Graças e no Poço da Panela, as mobilizações foram interrompidas e retomadas anos depois, com outras configurações. As dificuldades concentram-se em manter os vizinhos unidos em torno de um projeto de bairro e não de ações pontuais, que dizem respeito a direitos individuais.
Integrante do Movimento em Defesa da Mata do Engenho Uchôa há 35 anos, a professora Luci Machado, 76, sabe o quão custoso é levar a diante os sonhos de um bairro melhor. A constante depredação da área de Mata Atlântica praticamente no quintal de casa foi o mote para ela e outros moradores do Barro, na Zona Oeste do Recife, iniciarem o combate.
Era 1979 e um grupo de dez moradores, a par dos boatos da construção de um condomínio de luxo a despeito de área de mata, começou a unir forças contra a ideia. Buscou apoio junto ao Ministério Público, incitou denúncias e provocou os políticos. Com a mesma força, convidaram os moradores do Conjunto Residencial Nossa Senhora de Lourdes a se indignar. Primeira vitória.
Anos depois, a gestão pública pensou outro destino para a mata: um habitacional popular. A luta foi abraçada pelas escolas públicas do entorno, embora nunca tenha conseguido a unidade da vizinhança. Segunda vitória, o projeto foi abandonado. O terceiro ato desse desafio foi recente, em 2010, diante da notícia de que transformariam parte dos 173 hectares de mata em uma usina de tratamento de resíduos. Foi preciso mobilizar os políticos de outro município para frear a ideia. Conseguiram.
Em mais de três décadas de defesa da Mata do Uchôa, muitos companheiros pularam do barco. Cinco moradores mantém a agenda de reunião semanal. Sem sede, eles se encontram na casa de Luci. Às conquistas, estão somadas a transformação da área em Refúgio de Vida Silvestre, a incorporação da temática meio ambiente nas ações escolares, a construção de um plano de manejo e a instituição de um conselho para discutir o destino da mata. “É uma luta que já está no sangue da gente”, explica Luci Machado. O sonho maior é a construção de um Parque Ecológico. O Movimento da Mata Uchôa é a prova de que as lutas se renovam e são contínuas.
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