domingo, 24 de novembro de 2019

Celso Marconi: Manifesto "O Cinema do Futuro"

Celso Marconi: Manifesto "O Cinema do Futuro"

Neste 23 de novembro de 2019, quando faltam nove meses para eu completar 90 anos de idade, resolvi publicar este MANIFESTO em torno da arte cinematográfica. E falo não como crítico de cinema – mas como espectador junto aos meus dois filhos cinéfilos, Pedro Celso de Medeiros Lins e Isabela Lins.

Por Celso Marconi*

   
O CINEMA QUE EU QUERO NO FUTURO
Ou
O CINEMA COM AURA

# não quero um cinema que seja diversão. Quero filmes que se comparem aos melhores livros. quero a genialidade como meta ...

# quero que apareçam novos cineastas e imediatamente possam ser comparados com figuras como Luchino Visconti, Nelson Pereira dos Santos, Ingmar Bergman, Lars Von Trier ...

# quando o filósofo Walter Benjamin analisou o sistema das artes, colocou em destaque o cinema, contra todas as opiniões reinantes. Para Benjamin, as artes perdiam a aura pelo fato de serem reproduzidas, perdiam a unicidade. O cinema não perdia justamente porque a reprodução é algo intrínseco a ele, e assim o cinema é a “arte das massas”, como disse Lênin.

# mas eu quero um cinema que simplesmente não divirta as massas, e não faça como fez o cinema de Hollywood que imbecilizou as massas ... Essa estória de que “cinema é a maior diversão” é coisa da Empresa Severiano Ribeiro, no tempo em que tinha José Ronaldo Gomes como gerente aqui no Recife e era então a maior exibidora / distribuidora.

# quero um cinema como dizia meu amigo Fernando Spencer, “sem bitolas”. O cineasta pode usar o Super 8, 16mm, 35mm ... tanto faz. Hoje, o que vale é o digital não sei se de 4k ou de quantos Ks...

# Também a duração do filme ... não tem importância quanto tempo vai durar. Pode ser meia hora ou doze horas e virar uma série.

# a maior força do pensamento humano está contida nos livros. Quem gosta de cinema e quer que ele seja uma arte – a sétima – quer também que os filmes consigam elaborar histórias e estórias com a força de uma obra genial da literatura. Seria possível encontrar hoje um filme com a intensidade criadora que existe no romance “Ulysses” de James Joyce?

# a indústria, especialmente Hollywood, faz do cinema um instrumento de maquinações mentais e não só ganha fortunas como é a maior indústria do império norte-americano. Mas o que é principal, especialmente para eles, é que criam e criaram uma forma de “educar” as massas do mundo todo. É preciso criar um novo cinema para libertar o mundo.

# os chineses, não só no tempo de Confúcio, mas hoje no tempo de Mao e de Xi ji ping, são sábios e por isso abriram o comércio da China para inúmeros produtos . Mas os filmes não. Há um bloqueio para que eles não invadam a mente da massa chinesa.

# não preciso de salas especiais para ver um filme. Sala é uma questão externa ao cinema. É importante para criar situações de ambiência social. O que quero é criar o hábito de ver um filme com a mesma “solidão” com que se lê um livro.

# o papel da crítica deve continuar sendo intermediar a essência da obra de arte – do filme – com o espectador. Por isso é fundamental para quem vai ver um filme que saiba o mais possível sobre ele. Quem fez, quem é, de onde ele foi extraído, de que país, tudo.

# na sessão das 20 horas no Cinema do Museu, em Casa Forte no Recife, na sexta-feira feriado da República, o filme era o coreano “Parasita”. Na sala cheia, não se ouviu do começo ao fim um suspiro mais alto. Assim é que deve ser um público para assistir a um filme de arte. Embora que no futuro o cinema deva ser uma arte de fruição mais individual. Cada vez mais. Como o livro.

# um espectador, leitor de literatura e espectador de cinema, 60 anos, economista de profissão, funcionário de uma hidroelétrica, assistiu ao filme “A casa que Jack construiu” de Lars Von Trier, no celular, em várias sessões. E não perdeu a dimensão dramática do filme. No final, considerou a obra ‘fortíssima’. Isto é, assistiu ao filme como quem lê um livro. Essa tem que ser a forma de cinema, nova como uma arte maior.

# enfim, a Arte é usada para distribuir divisas aos seus produtores. Mas isso é apenas um resquício da arte. Uma Arte menor. O homem e a mulher mais desenvolvidos fazem e veem Arte como o aspecto mais maduro e forte da Vida.


*Celso Marconi, 89 anos, é crítico de cinema, referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8. É colaborador do Prosa, Poesia e Arte.

Fonte: Portal Vermelho A Esquerda Bem Informada

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