domingo, 23 de agosto de 2015

Obesidade, doença (quase incurável) do capitalismo?

Obesidade, doença (quase incurável) do capitalismo?

Na última década, a obesidade migrou para o centro das atenções de Saúde Pública. Em países com o Brasil – para não falar dos norte-americanos… – ela tornou-se um problema muito mais generalizado que a desnutrição. Ao abordá-la, o enfoque é muitas vezes comportamental.

Por Antonio Martins, no Outras Palavras


Reprodução
O autor do artigo sugere que as embalagens de comida "trash" sejam repletas de advertências, como já acontece com as de cigarros, por exemploO autor do artigo sugere que as embalagens de comida "trash" sejam repletas de advertências, como já acontece com as de cigarros, por exemplo
Sugere-se que as vítimas do mal precisam de mais responsabilidade ao se alimentar e determinação para corrigir atitudes inadequadas. Um conjunto de novas pesquisas científicas acaba de demonstrar que esta abordagem é, além de impiedosa, contraproducente. Ela busca objetivos inalcançáveis e deixa, por interesse, de perseguir outros, que seriam perfeitamente factíveis.

Quem relata as novas pesquisas, num texto brilhante, é o jornalista George Monbiot. No artigo, publicado no Guardian londrino, ele conta que:

a) Deixar a obesidade é muito mais difícil que usar crack e não se viciar. Estudos anteriores revelaram que entre 10% e 20% das pessoas que fumam a droga derivada da cocaína tornam-se dependentes. A nova pesquisa, que examinou 176 mil pessoas obesas, descobriu que, destas, 97,8% das mulheres e 98,3% dos homens foram incapazes de deixar esta condição, ao longo de nove anos. A probabilidade não se aplica a pessoas que vivem em sobrepeso, mas não atingiram a condição de obesas.

b) Os mecanismos essenciais que produzem dependência à ingestão compulsiva de alimentos são idênticos aos que levam à adição ao álcool e outras drogas, revela outro estudo. Incluem, essencialmente, mudança biológica, desconforto com abstinência, incapacidade de controlar impulsos, sensação de recompensa, ao consumir a substância causadora do vício. Porém, a obesidade é mais tirana que o uso de drogas, mesmo entre ratos. Submetida a um experimento diz o estudo, a maioria deles “preferiu uma recompensa em açúcar a outra, na forma de cocaína”.

c) As campanhas morais voltadas aos obesos produzem muita culpa, mas nenhuma melhora. Na verdade, quanto mais conscientes do seu mal, mais as pessoas tenderão a afundar nele. Há um único tratamento razoavelmente eficaz: as cirurgias bariátricas – que submetem os pacientes, em muitos casos, a riscos e sequelas graves.

Que mudanças deveriam ser desencadeadas por tais evidências? Para Monbiot, a resposta está evidente: “a tarefa crucial é proteger as crianças antes que elas desenvolvam dependências ao consumo abusivo de comida”. O problema, ressalta ele, é que isso exigiria uma abordagem muito menos tolerante frente a quem lucra com a dependência: uma indústria global de alimentos cada vez mais poderosa, concentrada e voraz.

Monbiot sugere: o avanço da obesidade é tão onipresente, e tão cruel, que deveria suscitar, em resposta, medidas duras. Entre elas, restrições à propaganda e marketing tão severas quanto as que limitam a indústria do fumo. Comida trash e refrigerante, por exemplo, só deveriam ser vendidos em locais pouco acessíveis dos supermercados, e em embalagens repletas de advertências.

O problema é que, até agora, a abordagem é a oposta: implica responsabilização das vítimas. No Reino Unido, o governo conservador fala em proibir acesso dos obesos ao sistema público de Saúde, “até que aceitem tratar-se”. No mesmo país, acrescenta Monbiot, as doenças ligadas à obesidade (diabetes, por exemplo), consomem 10% do orçamento nacional de Saúde.

Até quando – pergunta o autor – as sociedades pouparão os verdadeiros responsáveis pelo problema, apenas pelo fato de serem poderosos, e contribuírem generosamente com as campanhas eleitorais dos políticos?


Fonte: Portal Vremelho A Esquerda Bem Informada

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