segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A decisão agora é de João

Diário de Pernambuco - 27/11/09

Se prefeito vetar projeto que proíbe usina de tratamento de lixo no Engenho Uchôa, governistas prometem segui-lo. Resta saber qual será o veredicto para a instalação do estádio
André Duarte // andreduarte.pe@dabr.com.br


Um avanço ambiental inegável para o Recife, mas cercado de informações conflitantes. É dessa forma que está sendo encarado, nos bastidores da política local, o episódio da aprovação por unanimidade do projeto de lei que proíbe a construção de uma usina de triagem e geração de energia através do lixo na área do Engenho Uchôa, na zona sul da cidade. Ao mesmo tempo em que proíbe a instalação da usina pela PCR no local, o projeto de lei elaborado pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara não prevê a proibição de outros tipos de empreendimento ou edificação nessa região.

Contrariando o desejo do prefeito João da Costa (PT) de construir uma usina que solucione o problema dos resíduos sólidos em parte do terreno de reserva de mata atlântica, todos os vereadores, inclusive os governistas, votaram pela proibição da unidade na tarde da última quarta-feira. O projeto seguirá para análise do prefeito, que terá duas opções: sancionar ou vetar a matéria, que, no segundo caso, serianovamente votada pela Câmara Municipal, desta vez em caráter definitivo.

A discussão ganhou contornos diferentes desde o último dia 19, quando um consórcio de empresas apresentou ao prefeito do Recife um projeto de construção de um grande complexo imobiliário, incluindo um estádio de futebol para 30 mil pessoas destinado ao Clube Náutico Capibaribe, além de um hotel e um conjunto residencial. Orçado em R$ 300 milhões, o projeto privado ficaria numa área de 140 hetares entre a BR-101 e a Avenida Recife, no bairro de Jardim Uchoa, num perímetro próximo ao terreno destinado à usina de lixo.

Transformado em Área de Preservação Ambiental (APA) desde 1996, o Engenho Uchôa tem 192 hectares e engloba 12 bairros no Recife, entre eles Jardim São Paulo, Ibura, Areias, Tejipió e Barro. A APA inclui uma reserva ecológica estadual, de 20 hectares, criada pela lei municipal nº 9.989 de 1987. Os critérios de preservação levam em conta a proteção do relevo, do solo, do sistema hidrográfico e do meio ambiente urbano.

Por representarem propostas antagônicas, especula-se que os projetos da usina de lixo e do empreendimento imobiliário não poderiam coexistir. Enquanto isso, moradores do entorno lutam para que a área verde seja preservada e rejeitam as duas propostas.

O líder da bancada governista na Câmara, Josenildo Sinésio (PT), afirmou que o projeto só foi aprovado por unanimidade porque a bancada governista estava concentrada na aprovação de outras três matérias prioritárias na mesma sessão. "Isso ainda envolverá muita discussão, mas eu tenho a impressão de que o prefeito veta essa proposta. Se o prefeito vetar, a bancada (governista) seguirá o veto dele", garantiu o petista, que também votou a favor do projeto de lei proibindo a usina.

Integrante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o vereador da oposição Daniel Coelho (PV) preferiu ressaltar os danos ambientais que, segundo ele, a construção da usina de lixo causaria. "Essa aprovação vem num momento bastante simbólico".

Integrado pelas empresas Lusoarenas, Camargo Correia, Patrimonial Investimentos e Conic Souza Filho, o consórcio privado que pretende construir o estádio do Náutico promete "reestruturar, reabilitar e requalificar uma área total de 140 hectares localizada no bairro do Jardim Uchoa". A Prefeitura do Recife informou que só vai se pronunciar sobre o assunto quando receber o projeto.

A reserva

Engenho Uchôa em números:

- Tem 192 hectares de área.
- Integra 12 bairros do Recife.
- Foi transformado em Área de Proteção Ambiental (APA) em 1996.
- A APA inclui uma reserva ecológica estadual de 20 hectares criada em 1987.
- Há 270 mil pessoas morando no entorno da mata do engenho.

Arena recife

Apesar de já ter demonstrado interesse em jogar na Cidade da Copa, o Náutico apresentou oficialmente o seu próprio projeto à Prefeitura do Recife no último dia 18, numa atitude que surpreendeu o próprio governo do estado. A Arena Recife, localizada entre a BR-101 e a Avenida Recife, no Engenho Uchôa, terá capacidade para 30 mil pessoas, em vez dos 46 mil lugares do projeto pernambucano para o Mundial de 2014. No entanto, a capacidade da arena timbu poderá ser ampliada para até 42 mil torcedores.

O novo estádio do Náutico está orçado em R$ 300 milhões. Para dar conta desse montante, o clube conta com três parceiros na empreitada: as construtoras Camargo Corrêa e Conic Souza, além da Patrimonial Investimentos, que vão bancar o estádio. Durante 30 anos, essas empresas vão explorar o estádio comercialmente, tendo direito à receita de shows, além do aluguel dos camarotes durantes os jogos de futebol. Ao Náutico, cabe a verba dos ingressos e o custo zero para atuar lá. Após 30 anos, o estádio será propriedade do clube. A obra deverá começar já em janeiro do próximo ano. A expectativa é que a Arena Recife fique pronta até dezembro de 2012.

Luta pela preservação

Situada numa área repleta de verde, a APA do Engenho Uchôa é um dos últimos resquícios de Mata Atlântica em plena zona sul do Recife, numa área que já vem sendo assediada pela especulação imobiliária. Mesmo situada em bairros de classe média baixa, a área de preservação é tida como economicamente estratégica, pois ainda é pouco adensada, entrecortada por duas grandes vias de acesso (a BR-101 e a Avenida Recife) e relativamente próxima a bairros mais nobres da cidade.

Há 30 anos um movimento formado por moradores do entorno do engenho luta transformação de toda a região em um parque ecológico livre de degradação. Integrante da coordenação do Movimento em Defesa da Mata do Engenho Uchôa, Luci Machado avaliou como positiva a tentativa dos vereadores do Recife de proibição da construção da usina no engenho, mas ressalta que isso não significa a garantia de proteção ambiental da região.

Ela lembra que a legislação ambiental em vigor ainda possui brechas que permitiriam a construção de outros empreendimentos em alguns pontos da APA. "A gente não está livre disso ainda. A lei deixa essas brechas. Acho um contra-senso a Prefeitura querer implantar essa usina lá, uma vez que o prefeito anterior (João Paulo), que é do mesmo partido do atual, sempre apoiou a nossa causa desde quando ele era deputado", criticou Luci Machado. O movimento já conseguiu colher dez mil assinaturas, promoveu várias audiências públicas e luta para marcar uma reunião com o prefeito João da Costa.

O Consórcio Recife Energia, vencedor da licitação da Prefeitura para contrução da usina e exploração do lixo produzido no Recife, vai operar durante vinte anos. O projeto está em fase de licenciamento ambiental. As obras devem durar dois anos. A usina de tratamento de lixo e de geração de energia deve funcionar a partir do final de 2011 e os investimentos bancados pela iniciativa privada devem chegar a R$ 250 milhões em dois anos. A prefeitura pagará cerca de R$ 28,90 por cada tonelada tratada. O consórcio é formado pelas empresas Qualix (51%), Serquipe(5%) e Kogernergy (44%).

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