domingo, 19 de janeiro de 2025

Emergência climática impacta modelo de desenvolvimento no futuro do planeta

Emergência climática impacta modelo de desenvolvimento no futuro do planeta

Em artigo de estreia, José Bertotti analisa como o modelo econômico capitalista contribuiu para a crise climática global, com o ano de 2024 sendo o mais quente da história, e explora soluções baseadas em desenvolvimento sustentável e inclusão social.



Evolução do aumento da temperatura média global do ar (°C) acima dos níveis pré-industriais (1850–1900), com médias móveis de cinco anos desde 1850. Crédito: C3S/ECMWF.

Recentemente os jornais noticiaram a constatação feita pelo Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas (C3S) que 2024 foi o ano mais quente da história no planeta e o primeiro em que a temperatura média global ultrapassou a marca de 1,5 grau Celsius (°C) acima dos níveis pré-industrialização (1850 e 1900). O gráfico abaixo indica a tendência de elevação da temperatura média da terra.

 

Evolução do aumento da temperatura média global do ar (°C) acima dos níveis pré-industriais (1850–1900), com médias móveis de cinco anos desde 1850. Crédito: C3S/ECMWF.

 

A ciência identifica os gases de efeito estufa como os principais causadores do aquecimento global. Esses gases têm como principais fontes a queima de combustíveis fósseis para produção de energia e transporte e a destruição de ambientes naturais essenciais à manutenção da vida.  

Os efeitos associados ao aquecimento global se multiplicam. Somente no Rio Grande Sul, em 2024, as enchentes causaram um prejuízo à economia de R$ 87 bilhões, segundo estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento em parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Soma-se a isso a injeção de R$ 82,9 bilhões de novos recursos feita pelo Governo Federal para o conjunto de ações Brasil Unido Pelo Rio Grande. Além disso, o desastre afetou diretamente mais de 2 milhões de pessoas, causando 183 mortes. Trago o exemplo dramático do RS para materializar dados coletados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) entre 1970 e 2021, onde foram registrados 11.778 desastres climáticos e hídricos, que resultaram em 2 milhões de mortes e US$ 4,3 trilhões em perdas econômicas. No entanto, o dado mais significativo desse levantamento é que mais de 90% das mortes ocorreram em países em desenvolvimento, nos quais o Brasil ainda se encontra.

Quero chamar a atenção para o modelo econômico capitalista que prevaleceu nesses 250 anos, nos quais identificamos a aceleração do aquecimento global. O marco inicial é a primeira Revolução Industrial (1760) e as Revoluções subsequentes (já estamos na quarta RI) que permitiram a produção em massa de bens e serviços, o que modificou totalmente a relação do homem com a natureza. Saímos da escassez, em que extrair e processar matérias primas era demorado e custoso, para um estado de extração e transformação das matérias primas facilitado pela tecnologia, mas incompatível com a capacidade de reposição pela natureza. A extração de matérias primas dirigida pela ambição de poucos e voracidade de remuneração do capital resulta no aumento da produção e fomenta o consumo artificial, insaciável, irresponsável e perverso, o que tem colocado a vida em risco. Artificial, pois é muito para além das necessidades humanas, supérfluo em grande medida, no que o fast fashion é um grande exemplo. Insaciável, pois a demanda só aumenta mesmo que já haja bens o suficiente para satisfazer as necessidades humanas, por exemplo, já temos capacidade para produzir alimento o suficiente para saciar a fome de todos, mas a má distribuição causa uma epidemia de obesidade em alguns países. Irresponsável, pois a acumulação desmedida de capital e a concentração de renda não são freadas, mas valorizadas numa distorção dos valores humanistas, no que os super ricos e donos das big techs são um grande exemplo. Perverso, porque fomenta guerras e conflitos cujo objetivo é satisfazer a indústria armamentista numa escalada de destruição descontrolada, no que algumas guerras civis são um exemplo. Com isso, bens essenciais à vida da maioria dos seres vivos, como a água potável, são cada vez mais caros e escassos.

Decorrente do aumento da produção e do consumo, a voracidade por energia aumenta a cada dia. No entanto, se levarmos em conta as desigualdades em termos de uso de energia, veremos que ela reflete a concentração de renda nos países centrais do sistema capitalista, conhecidos como os maiores emissores de gases de efeito estufa.

(1)Fonte: Index Mundi. https://www.indexmundi.com/g/r.aspx?t=0&v=81000&l=pt . (2)Fonte: World Bank Group. https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.CD . (3)Fonte: World Bank Group. https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD

 

O sistema capitalista não só é agressivo ao meio ambiente, ele é essencialmente excludente e concentrador de renda. A questão da pobreza é um problema que acentua a crise climática porque esse sistema acaba empurrando populações mais carentes para o uso irregular da terra, em modelos que também são emissores de gases de efeito estufa.

A luta por um novo modelo de desenvolvimento acaba sendo necessária e uma questão de sobrevivência. As evidências demonstram que esse modelo de produção centrado unicamente no lucro acumulado na mão de poucas pessoas em detrimento da vida é o causador da emergência climática e não consegue responder aos grandes problemas da humanidade, como a devastação do meio ambiente, a exclusão social, a pobreza, a miséria e a fome.

Leia também:Aquecimento global: 2024 foi o ano mais quente já registrado na história

O capitalismo demonstrou que a concentração de renda por parte de uma minoria está acima da vida da maioria das pessoas. A emergência climática é um alerta para a humanidade de que o capitalismo não consegue entregar um modelo de desenvolvimento diferente do que ele fez nesses últimos 250 anos.

Nesse sentido, é fundamental o entendimento de um partido como o PCdoB colocar a emergência climática como uma das questões mais importantes a serem consideradas no novo projeto nacional de desenvolvimento para o Brasil, olhando para o desenvolvimento sustentável com base em três pilares: a preservação e recuperação do meio ambiente; a inclusão econômica e social e atividades econômicas dirigidas baseadas em soluções sustentáveis. 

José Bertotti, é  professor e pesquisador em inovação do Instituto de Pesquisa em Petróleo e Energia, da UFPE e sócio-fundador do Instituto Toró, Clima, Tecnologia e Cultura. Foi secretário de estado em Pernambuco nas pastas de Meio Ambiente e Sustentabilidade; e de Ciência e Tecnologia. É membro da direção estadual do Partido Comunista do Brasil em Pernambuco e diretor de Temas Ecológicos e Ambientais da Fundação Maurício Grabois.


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