Brics no Rio: Declaração da Cúpula traça nova arquitetura da governança
global
Reforma
institucional, justiça climática, soberania digital e combate à fome marcam
prioridades do Sul Global lideradas pelo Brasil na 17ª Reunião de Líderes
por Cezar Xavier
Publicado 06/07/2025 15:24 | Editado 07/07/2025 17:15
A Declaração do
Rio de Janeiro, aprovada neste domingo (6) na 17ª Cúpula de Líderes
do BRICS, consolida uma inflexão estratégica: o bloco ampliado emerge como polo
articulador de uma governança global mais justa, inclusiva e sustentável. Sob a
presidência brasileira, a reunião — realizada no Rio — fortaleceu a coordenação
política entre os países do Sul Global e lançou uma agenda propositiva com
resultados concretos em áreas como clima, saúde, tecnologia, finanças e comércio.
Com o lema “Fortalecendo a Cooperação
do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”, a cúpula
reafirma o BRICS como herdeiro político da Conferência de Bandung e do
Movimento Não-Alinhado, agora expandido e institucionalmente mais robusto. Em
meio à crise de credibilidade da ONU e à fragmentação das instituições
multilaterais, o bloco atua como catalisador de reformas e como fórum
alternativo de convergência entre países do mundo em desenvolvimento.
Reforma da governança global: compromisso
com multilateralismo inclusivo
A principal mensagem da Declaração é
clara: o sistema internacional atual é disfuncional, anacrônico e excludente.
Em resposta, os líderes reiteram a urgência de reformar o Conselho de Segurança
da ONU, com apoio explícito de China e Rússia à ampliação da presença de Brasil
e Índia como membros permanentes. Também reafirmam a necessidade de revisão da
governança das instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco
Mundial, com aumento da participação dos países em desenvolvimento.
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reforma urgente da ONU e defende novo multilateralismo em cúpula do BRICS
As potências do BRICS rejeitam
medidas coercitivas unilaterais e sanções extraterritoriais, denunciando sua
ilegalidade e impacto no comércio global. Em contrapartida, reafirmam apoio à
Organização Mundial do Comércio (OMC) e celebram documentos como o Marco sobre
Comércio e Desenvolvimento Sustentável e a Declaração sobre a Reforma da OMC,
refletindo a aposta do bloco em um comércio multilateral equilibrado.
Clima, saúde e IA: soluções do Sul
Global para problemas globais
A cúpula também produziu três
declarações temáticas inovadoras, assinadas por todos os membros e endossadas
por Malásia e Bolívia:
- A
Declaração-Marco sobre Finanças Climáticas, que propõe mecanismos próprios
de financiamento verde, como o Fundo Floresta Tropical para Sempre (TFFF),
e estratégias para mobilização de recursos até 2030;
- A
Declaração sobre Governança Global da Inteligência Artificial, que marca a
entrada do Sul Global no debate regulatório internacional, destacando
temas como acesso a dados, soberania digital e competição justa;
- A
Parceria para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas, que
conecta desigualdade, pobreza e saúde em uma estratégia integrada,
centrada na equidade e na justiça social.
O fortalecimento da OMS como
autoridade multilateral em saúde, assim como a consolidação de redes próprias —
como o Centro de P&D em Vacinas do BRICS e a Rede BRICS de Pesquisa em
Tuberculose — refletem a estratégia do bloco de construir capacidades próprias
de resposta global.
Cooperação financeira e tecnológica:
do resseguro à soberania digital
Na frente financeira, a Declaração do
Rio avança no debate sobre o uso de moedas locais no comércio intra-BRICS e a
interoperabilidade entre os sistemas financeiros. Um novo projeto para a
criação de uma Iniciativa de Garantias Multilaterais (GMB) e o desenvolvimento
de soluções em resseguros foram lançados como prioridades para os próximos
anos.
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pactos em IA, clima e saúde com liderança brasileira
Na área de ciência, tecnologia e
inovação (CTI), destacam-se o lançamento do Plano de Ação BRICS para Inovação
2025–2030 e a proposta de estabelecer uma rede de cabos submarinos de
comunicação de alta velocidade entre os países do grupo, aumentando a autonomia
digital e a segurança da informação.
Agricultura, fome e terras
degradadas: aliança para justiça social e ambiental
Na área de desenvolvimento, o BRICS
firmou o compromisso com a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e lançou
uma Parceria para a Restauração de Terras, integrando segurança alimentar,
sustentabilidade ambiental e combate à exclusão. A agricultura, a pesca e a
aquicultura aparecem como vetores estratégicos para erradicar a pobreza,
fomentar o desenvolvimento rural e enfrentar a má nutrição.
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Dilma defende desenvolvimento sustentável e inclusivo
Essas iniciativas complementam a
proposta de reconstrução de capacidades produtivas próprias em setores-chave
para o Sul Global, em meio à crescente incerteza nos mercados internacionais.
Participação social e fortalecimento
institucional: BRICS se abre à sociedade civil
Pela primeira vez, a cúpula deu
espaço formal ao Conselho Civil do BRICS, além dos tradicionais fóruns
empresarial, sindical, acadêmico e parlamentar. O relatório entregue aos
líderes e a integração progressiva dos novos membros e países parceiros foram
citados como sinais de amadurecimento institucional. O documento destaca o
esforço brasileiro em democratizar e descentralizar os processos decisórios do
bloco, com mais de 200 reuniões técnicas envolvendo 30 ministérios e agências
ao longo do ano.
O BRICS como vetor da nova ordem:
entre ambição e urgência
A Declaração do Rio de Janeiro não é
apenas um compêndio diplomático, mas uma plataforma estratégica do Sul Global
para reformar a ordem mundial. Em tempos de crise climática, conflitos armados,
fragmentação institucional e ameaças digitais, os BRICS apostam na construção
de um novo multilateralismo, fundado na cooperação, na equidade e na soberania.
Leia também: Cúpula dos BRICS
reforça papel de destaque do Brasil no cenário mundial
A presidência brasileira, que se
estende até o fim de 2025, promete dar continuidade aos compromissos assumidos,
consolidando o BRICS como um dos principais eixos da transição para um mundo
multipolar. Em um cenário de paralisia do Norte Global, o Sul assume a
dianteira.
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